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Evangelicalismo e arte

Recentemente, a polêmica em torno da exposição que foi exibida no MAM há algumas semanas (já escrevi a respeito aqui) ganhou um novo capítulo. O pastor Ariovaldo Ramos — que se tornou uma espécie de guru da "esquerda evangélica", postou um vídeo onde ataca aqueles que se puseram contra a exposição. Segundo ele, os críticos ao que ocorreu no MAM são "censores tipo idade média" e "deveriam virar matéria de museu". Ou seja, Ariovaldo é muito tolerante com a arte apresentada no museu, mas gostaria que aqueles que discordam dele virassem matéria de mesmo.

Naturalmente que não se espera nada além disso de Ariovaldo Ramos. O frontman da Teologia da Missão Integral no Brasil sempre se põe a favor das chamadas pautas "progressistas", mesmo quando elas só fazem progredir valores que estão diametralmente opostos ao que as Escrituras que Ariovaldo diz anunciar defendem. Nada novo debaixo do sol.

A pergunta que me faço é: onde está o contraponto? Quais são hoje os cristãos, em especial evangélicos que desenvolvem um trabalho sério sobre a arte, seus conceitos, aplicações e etc.? Não seria por conta da ausência desses que aquele ganha tanta força?

Se um cristão hoje quiser fazer um estudo mais profundo acerca do que é a arte ou até mesmo sobre questões mais profundas no que diz respeito à estética, a quais autores recorrer? Hans Rookmaaker? Francis Schaeffer? Ótimo! Mas vamos parar por aí? Com certeza ainda temos grandes estetas cristãos vivos que podem esclarecer muitas confusões que vêm acontecendo em nosso meio diante dessa temática tão atual e pertinente.

Cabe aqui um apelo às editoras. Traduzam bons livros sobre o tema! Tragam para o Brasil autores que tratam questões atuais para que possamos complementar o estudo fundado nos autores clássicos que eu já citei.

Antes de concluir, uma observação:

Creio que o cenário artístico chegou a esse ponto justamente por conta da indiferença de muitos cristãos à arte. Me refiro aqui mais especificamente aos evangélicos. Quantos de nós não viramos completamente as costas para campos de grande importância artística como pintura, escultura e etc. sob a desculpa de que isso é "coisa de católico". O preço a ser pago não é apenas cultural, mas também didático. Deixamos passar uma enorme riqueza de ensinamentos profundos contidos nas artes simplesmente por ignorá-las. Muitas vezes, uma pintura pode ensinar tanto quanto um texto. Mas por que valorizamos tanto um meio e desprezamos totalmente o outro? Não faz sentido" E quem perde somos nós.

Deixo aqui um exemplo de uma pintura cristã rica em significados. É o quadro chamado Crucificação, de Matthias Grünewald. A obra fazia parte do Retábulo de Issenheim e retrata, de forma sublime, Cristo na cruz. Veja a imagem:


Observe quanta riqueza há neste painel. Em seu livro "Pilares da Fé — A atualidade da mensagem da Reforma"[1], Franklin Ferreira aponta detalhes que tornam este quadro de um valor inestimável para qualquer cristão. Ele diz:
"(...) pode-se ver no centro o Cristo crucificado em agonia, os pregos perfurando suas mãos e pés,  "seus dedos apontando (...) para o céu escurecido", seu corpo como que se desfazendo em pedaços. João aparece confortando a angustiada Maria, mãe de Jesus. Aos pés deles, Maria Madalena implora a Cristo. Há um pote de mirra relembrando o anúncio do nascimento de Cristo (Mt 2.11) e usada para embalsamar os corpos dos mortos. João Batista segura com uma mão a Escritura aberta e aponta com a outra para o Jesus Cristo crucificado — "Este é o Cordeiro de Deus" (Jo 1.29,36) —, e uma ovelha sem mácula ao pé da cruz carrega um tipo de crucifixo, tendo diante de si "o cálice que o Pai" (Jo 18.11) deu a Cristo"

Ferreira explica ainda que, como podemos observar,, na pintura, o Corpo de Cristo está se desfazendo. Isso foi proposital, pois o quadro havia sido feito para ficar exposto num leprosário. A intenção do artista era mostrar para os leprosos que, assim como seu corpo se desfazia em decorrência da lepra, o de Cristo também se desfez, porque na cruz encontramos identificação com todos os sofrimentos humanos.

Essa pintura foi tão impactante que, segundo Timothy George[2], a partir dos seus primeiros anos de pastorado, Karl Barth a mantinha pendurada sobre a sua escrivaninha.

Alguém nega que uma pintura como essa tem um valor relevantíssimo? Porque os evangélicos não valorizam tão alta arte? São questões que gostaria de deixar para refletirmos seriamente. Não entreguemos para os outros aquilo que deus nos deu como um presente.

A arte é um presente de Deus. Cabe a nós sabermos usar.

Contribua conosco, deixe nos comentários indicações de livros/autores cristãos que tratam sobre arte sob uma ótica biblicamente saudável.




[1] FERREIRA, Franklin. Pilares da Fé — A atualidade da mensagem da Reforma. (São Paulo; Vida Nova, 2017) p. 109.
[2] GEORGE, Timothy. Lendo as Escrituras com os Reformadores. (São Paulo; Cultura Cristã, 2015) p. 205.
Evangelicalismo e arte Evangelicalismo e arte Reviewed by Alcino Júnior on sexta-feira, outubro 13, 2017 Rating: 5

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