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Imoralidade x ilegalidade no caso MAM


Vivemos um tempo difícil. Tempo em que, por conta de tudo que nosso país vem atravessando, tudo é motivo para alardes e palavras de ordem. Cada vez mais, os imperativos roubam a cena. É compreensível, nosso povo não aguenta mais! Porém, a sociedade deve manter seu equilíbrio por meio da reflexão desprendida de paixões. É um exercício difícil, não é para todos, mas é ele que dará o tom da democracia que queremos ser.

Numa democracia madura, criminosos são punidos por seus crimes. Mas não-criminosos não estão submetidos às sanções legais simplesmente porque eu ou você achamos que algo que ele fez é crime. Ainda que determinada pessoa cometa algo repugnante, se não for crime, ela não pode ser punida. Sabe por quê? Porque existe uma importante diferença entre imoralidade e ilegalidade.

Imoralidade, é tudo aquilo que fere a moral. Ou seja, qualquer ato que afronte valores que nos são caros como a família, a dignidade, o sentimento religioso e etc. São atitudes que nos causam revolta e repulsa. Porém, ser imoral não é suficiente para que alguém seja punido pela lei. A imoralidade só será punida se ela vier acompanhada da ilegalidade. Ou seja, nem tudo que é imoral é crime. Infelizmente, nossas leis ainda não avançaram -- e creio que nunca avançarão -- ao ponto de prever todas as condutas imorais e enquadrá-las em algum crime. Sempre passará algo. Sempre haverá algum comportamento que passou despercebido pelo legislador. Essas ações, por piores que sejam, não poderão ser punidas.

Só aquilo que é ilegal pode ser punido por lei. Você pode achar, como eu acho, inúmeras atitudes criminosas, mas só é crime aquilo que a lei diz que é e nossa opinião não mudará isso. O direito penal penal brasileiro é regido por diversos princípios. Porém o mais importante é o princípio da legalidade que está previsto na Constituição Federal, art. 5º, XXXIX, que diz: 
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Portanto,tudo aquilo que a lei diz que é crime, se praticado deve ser punido. Tudo aquilo que a lei não diz que é crime, não deve ser penalmente punido. Isso visa manter a segurança jurídica, não apenas dos outros, mas também a nossa. Imagine você sendo preso por praticar algo que a lei não diz que é crime! Seria um absurdo, não é verdade? 

O caso MAM

Uma exposição que ocorreu no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo vem causando grande polêmica por conta de um vídeo em que uma criança, acompanhada pela mãe, toca os pés e as pernas de um artista que está nu e deitado no chão. Segundo o museu, A apresentação ocorreu na abertura da Mostra Panorama da Arte Brasileira, realizada na última terça-feira, 26. Trata-se de uma leitura interpretativa da obra "Bicho", de Lygia Clark, onde, segundo o MAM. O coreógrafo Wagner Schwartz se posiciona nu sobre um tatame, manipulando um origami de papel, de forma a sugerir a interação. 

Em fotos de divulgação, participantes abraçam o artista nu,  mudam-no de posição e grande parte o filma. Ainda, segundo a direção do museu, a sala onde ocorria a performance estava "devidamente sinalizada sobre o teor da apresentação, incluindo a nudez artística".

Ou seja, estamos falando de um ambiente privado e devidamente sinalizado. Entra quem quer. O MAM errou ao permitir que crianças entrassem na sala e deve ser sancionado por isso. Mas o que dizer de uma mãe que expõe sua filha a uma situação dessas estando plenamente consciente do que está fazendo? Quem é o maior culpado aqui? O museu ou a mãe? A exposição está lá para quem quiser ver, é dever dos pais cuidarem de seus filhos, não de uma curadoria.

Inclusive, um dos graves problemas da atualidade é exatamente a terceirização da culpa de pais irresponsáveis. Educação deve vir de casa. É porque os pais terceirizam a tarefa de educar que estamos vendo crescer uma geração cada vez mais distante daquilo que pensamos ser uma sociedade minimamente interessante.

Me perdoem, mas se alguém deve ser punido nessa história, é a mãe da criança. É dela, a maior responsabilidade por permitir que sua filha passasse por essa situação.

O ator 

Nas redes sociais, tenho visto inúmeras pessoas chamarem o artista em questão de "pedófilo" ou coisas do tipo. A questão é: houve pedofilia por parte do artista que se permitiu ser tocado nas pernas e nos pés?

Antes de entrar no mérito, vale notar que o simples fato de estar nu em ambiente privado e sinalizado não configura pornografia legalmente falando. É arte. Sempre foi. Quem acha que exposição de nu começou em 2017 precisa voltar aos estudos com certa urgência.

Retomando a questão: para sabermos se ouve ou não pedofilia, é necessário entendermos o conceito legal de tal crime. É a lei, não eu nem você, quem diz se algo é crime ou não. Vejamos o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sobre o tema, em seu art. 241-A:
Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: 
Como eu já disse, não houve pornografia, muito menos sexo explícito.

Há, porém, um artigo do ECA que se aproxima ainda mais da situação que estamos discutindo é o 241-E, que diz:
Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
Observe que, o artigo fala em exibição de órgãos genitais. Mas só seria crime se o órgão genital exibido fosse o da criança. Também seria necessário que os fins de tal exibição fossem primordialmente sexuais. O que não era o caso, uma vez que estamos diante de uma exposição com fins artísticos. Logo, não houve o crime de pedofilia.

Conclusão e alerta

Concluo portanto que, estamos diante de uma situação extremamente imoral, nojenta e repugnante. Porém não punível pela lei. É o que chamamos de vácuo jurídico. Eu gostaria de ver todos os envolvidos nessa indecência na cadeia. Mas eu sou um operador do direito, não um legislador, muito menos um repetidor do senso comum. Eu poderia chegar aqui e repetir o que todos estão dizendo, mas, se fosse pra fazer isso, a existência desse blog não faria sentido. Aqui não é o lugar do senso comum. Minha luta é pela verdade, não pelo aplauso. Escrevo para adultos, não para crianças que só aceitam aqueles que repetem o que lhes parece certo. O artista poderia ter se afastado quando a criança lhe tocou? Sim. Isso faria muitos duvidarem de sua capacidade artística, mas sua moral sairia intacta. Ele fez a escolha dele.

Por fim, um alerta: o Código penal prevê, em seu art. 138 o crime de calúnia e o define da seguinte forma:
Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
        § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
Segundo o artigo, dizer que alguém cometeu um crime sem que essa pessoa o tenha cometido é, aí sim, um crime. Eu já demonstrei que não houve crime de pedofilia e, como cristão, não posso tentar apontar um crime cometendo outro. Portanto, se você é cristão e busca ser sincero, condene a atitude do artista, mas não o chame de pedófilo. Não se iguale aos criminosos que você condena. A imoralidade deve ser combatida através da pressão social. Pressione os deputados e senadores de seu estado para que criminalizem essa conduta. Conscientize os pais que você conhece instando-os a cuidar de seus filhos de maneira sóbria, sem expô-los a situações como essa. Se a lei não cumpre seu papel, lutemos para que a moral o faça. E a moral se aprimora dentro de casa. Não nas redes sociais.
Imoralidade x ilegalidade no caso MAM Imoralidade x ilegalidade no caso MAM Reviewed by Alcino Júnior on sábado, setembro 30, 2017 Rating: 5

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