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O espantoso flerte de Temer com o crime de responsabilidade


A medida adotada hoje pelo presidente Michel Temer é, no meu entendimento, um acerto. O Rio enfrenta uma situação extremamente difícil e a intervenção federal é o meio mais célere para se tomar alguma providência efetiva diante do caos fluminense. 

Naturalmente que uma intervenção não resolverá os problemas do Rio. Para isso, seriam necessárias inúmeras outras medidas como uma melhor estrutura para a polícia, leís que fizessem a sensação de impunidade diminuir, etc. Porém, todas essa medidas demandam dinheiro e boa vontade política; duas coisas que o Rio não vê há muito tempo. Além disso, muitas dessas mudanças precisariam passar pelo Congresso Nacional. Isso demandaria tempo e haveria a possibilidade de muitas delas não serem aprovadas por estarmos em ano eleitoral. Nenhum político iria querer arriscar e dar a cara a tapa para uma mudança no Código Penal, por exemplo, com uma eleição às portas. 

Diante disso, a intervenção é sim uma saída inteligente, pelo menos a curto prazo. 

Mas nem tudo são flores. Uma intervenção federal tem consequências jurídicas graves por conta de sua natureza. Quando adotada, ela pressupõe uma crise aguda que está afetando diretamente a ordem nacional. E momentos de crise não são os mais adequados para se tomar decisões importantes. É por isso que a Constituição Federal contém o seguinte dispositivo: 

Art. 60, § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. 

O que o constituinte fez aqui foi preservar a sobriedade das decisões mais relevantes para o país, impedindo que elas sejam tomadas em momentos de grande dificuldade como é o caso --segundo a própria Constituição -- da intervenção federal. 

Ou seja, no cenário atual, intervir no Rio de Janeiro impossibilita o Congresso de votar a Reforma da Previdência (pois essa reforma seria uma emenda à Constituição) enquanto vigorar a intervenção. 

Considerando o comando constitucional e sua natureza, assisti com perplexidade a fala do presidente Michel Temer -- que é um dos constitucionalistas mais respeitados na academia, ao apresentar uma solução para o impasse. 

O presidente sugeriu que, caso necessário, suspenderá a intervenção para votar a Reforma no Congresso e, após a aprovação da mesma, decretará a intervenção novamente. Custei a acreditar que tal disparate saiu da boca de um renomado professor de direito constitucional. 

Como eu já mencionei, a natureza da intervenção pressupõe uma grave crise. Ora, suspender a medida apenas para votar uma emenda e depois a retomar é tratar a crise como se fosse um infortúnio qualquer. Pior, suspender por alguns dias para, logo depois, decretar novamente É UMA FRAUDE À CONSTITUIÇÃO. E aqui mora o maior dos problemas. 

A lei 1.079/50, conhecida como "lei do impeachment", define em seu artigo 4° quais são os crimes de responsabilidade que dão azo ao processo de impedimento do Presidente da República. Diz o caput do artigo: 

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal 

Fica evidente que, se Temer adotar a solução que propôs no ato de assinatura do decreto, estará sim cometendo crime de responsabilidade. 

É óbvio que a vasta experiência parlamentar de emedebista fará com que ele jamais seja sequer processado em caso de cometimento de tal crime por um congressista. Caso ocorra, a ação será rapidamente engavetada. Um político experimentado não cometeria o erro infantil de Dilma Rousseff de virar as costas para o diálogo com o Legislativo. 

Apesar disso, não seria nada bom para Temer ficar para a história como o constitucionalista que, ao chegar à Presidência da República, cometeu um crime de responsabilidade totalmente desnecessário. Espero que não o faça.

O espantoso flerte de Temer com o crime de responsabilidade O espantoso flerte de Temer com o crime de responsabilidade Reviewed by Alcino Júnior on sábado, fevereiro 17, 2018 Rating: 5

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