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Sobre o luto


A morte não deveria nos causar tamanha tristeza se considerarmos que é o destino que aguarda a todos. Porém, o luto nos machuca pelo fato de que o ser humano não foi feito para morrer. Quando Deus criou Adão e Eva, os criou com a intenção de que a morte nunca os alcançasse, a criação em si apontava para a eternidade. Entretanto, ao pecar, Adão permitiu que a morte entrasse em cena. O morrer é uma consequência da queda, daí podemos entender o porquê da dor causada pela partida de quem se ama.

A morte de uma pessoa amada é uma amputação. É como perder um membro do seu corpo, o equilíbrio pleno nunca mais poderá ser reestabelecido enquanto aqui estivermos. Quem vai sempre leva consigo uma parte de nós. Deus assim o quis.

A escritora americana Madeleine L'Engle acerta quando diz que cada experiência com o luto é única. Cada um de nós lidará com a saudade, o vazio e as lembranças à sua maneira, as marcas e cicatrizes que trazemos ao longo da vida também moldarão nossa postura diante da perda. Porém, existem algumas semelhanças básicas, coisas que todo aquele que já chorou a morte de um ente querido sente, independente do lugar, sexo, cor ou até mesmo credo: o estranho sentimento de medo, a boca seca, o vento no fim da tarde e as madrugadas frias que trazem consigo as lembranças mais marcantes estão entre as sensações universais dos enlutados.

É de nos causar certo horror que cheguemos diante de alguém que está à beira de partir e oremos "seja feita a Tua Vontade" como se um Deus de amor quisesse algo senão o bem para nós. A morte veio não pela vontade amorosa dEle, mas por Sua vontade permissiva somente. Também causa certa impaciência naqueles que sentem a partida de alguém a atitude que alguns, inocentemente, têm de tentar tratar a morte como algo desimportante para os cristãos. É necessário que se compreenda que a expectativa da eternidade não nos livra das dores provenientes do "corpo desta morte". Morte é morte, seja qual for a sua fé.

C.S Lewis —que ao perder sua esposa escreveu a mais sublime e verdadeira descrição de um luto que podemos encontrar na literatura mundial — também nos fala a respeito do medo da perda das memórias. Nenhuma fotografia pode, na verdade, evocar o sorriso da pessoa amada. Vez por outra, certo vislumbre de alguém andando pela rua, de uma pessoa viva, movendo-se, em ação, toca-nos, com a angústia da recordação genuína; mas nossas lembranças, por mais caras que sejam, escorrem inevitavelmente pelo crivo da peneira.

Também não é fácil lidar com o fato de que a pessoa nunca mais entrará pela porta da sala no fim do dia. Sempre há uma certa esperança de que ela entre, de repente e nos dê o mais apertado abraço que sempre gostaríamos de ter dado. Não entendemos o porquê da ausência. Falta-nos a perspectiva da distância. Como pode estar longe aquilo que é parte de nosso coração?

Não temos respostas. A morte paralisa nosso raciocínio e se mostra acima de qualquer edifício, seja ele teológico ou filosófico, que habite em nosso ser. Nossa visão do porvir ainda é medieval — céu em cima, inferno embaixo —, nem mesmo o Iluminismo com toda sua soberba por ter, segundo ele mesmo, resolvido nossos problemas através da razão fora capaz de nos dar uma perspectiva mais realista ou terna do porvir.

Porém, para nós que cremos em Deus, faz necessária a consciência de que é permitido a nós o afligir-se, mas junto com ele, vem a necessidade de um "salto de fé", a segurança de que aquilo que foi criado com amor não será jamais abandonado à própria sorte. Deus não cria para depois destruir aqueles que de bom grado O recebem. Mas o lugar em que nossos amados que não estão mais neste mundo habitam não nos pode ser apresentado por nenhum pastor, padre, ministro ou teólogo. As supostas "formas de consolo que a religião dá" são ineficientes em si porque querem dar uma solução externa a algo que nos causa apenas introspecção: as lágrimas são o mais simples dos simbolismos, não podem traduzir com a exatidão necessária o que se passa dentro de quem sente saudades.

A verdadeira consolação da religião não é cor-de-rosa nem cômoda, mas con-fortadora, no sentido verdadeiro da palavra: com força. Força para continuar vivendo e para acreditar que tudo aquilo de que necessita alguém que amamos e que morreu, equivale a ser alvo daquele Amor que foi a origem de tudo. Jung dizia que não se vem à vida sem dor, a certeza que temos é que em Cristo se sai dela de forma indolor e prazerosa. O resto é mistério, não cabe no campo das provas, mas pertence ao campo do amor.

As fotos que guardamos são meros ícones, não ídolos; projeções instantâneas e minúsculas de lembranças, não as coisas em si mesmas, e, como diz Lewis, vez por outra constituem um obstáculo, e não uma ajuda à memória. “Toda realidade é iconoclasta”, escreve ele. “A pessoa amada na Terra, até mesmo nesta vida, não cessa de triunfar sobre a simples ideia que você faz dela. E você quer que seja assim; você a quer com todas as resistências, todas as faltas, toda sua imprevisibilidade [...]. E é isso, e não outra imagem ou lembrança qualquer, que devemos amar mesmo depois que ela morra.”

O recado quem quero deixar aqui é para aqueles que já perderam alguém que amavam de verdade: as dúvidas, revoltas e angústias não lhe deixarão. Com o tempo, você aprenderá a conviver com elas e até mesmo a extrair delas algo bom. Você crescerá com elas se as enxergar com os olhos da fé e da esperança. Não posso lhes oferecer formas de consolo fáceis nem sentimentais, mas posso lhes lembrar que, na criação, motivação e finalidade se confundem, ambas são frutos do Amor de Deus por você. Ele nunca te deixará sozinho assim como nunca me deixou. Ao examinar as Escrituras, encontramos um paradoxo que nos devolve o sorriso aos lábios "a vida não acaba na morte". Portanto, guarde consigo seu melhor abraço para aquela pessoa amada, pois um dia você poderá usá-lo. Enquanto o dia não chega, receba o meu no seu coração.*

" Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho." — Paulo aos Filipenses, preso aguardando sua sentença.

Para os que se vão em Cristo, o morrer é ganho. Não se esqueça disso.

Com amor e lágrimas.
Alcino Júnior

*(adaptação e ampliação por Alcino Júnior do prefácio escrito por Madeleine L'Engle para a obra "Anatomia de uma dor — um luto em observação" de C.S Lewis)

Sobre o luto Sobre o luto Reviewed by Alcino Júnior on domingo, maio 29, 2016 Rating: 5

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